«Amália Rodrigues: o último rosto do cinema»

«Para assistir à estreia do sétimo filme em que intervém, Amália Rodrigues deslocou-se a Lisboa, interrompendo o contrato com a famosa “boîte” “Tête de l’art”, em Paris, contrato-compromisso que a obriga, pelo menos, a seis meses de permanência anual nos cartazes franceses.
Falar de Amália é uma redundância, um lugar-comum. Ela é, de há anos para cá, a maior divulgadora do nome de Portugal no estrangeiro, a intérprete fadista que se não repete nesta geração, a dona de uma voz que já desfilou em quarenta e tal países dos cinco continentes.
Paris considera-a no plano em que olhava para a sua Edith Piaff. Não admira, portanto, que Amália já tenha realizado duas temporadas no “Bobino”, uma no “ABC” e quatro no ultracélebre “Olympia”. E como Paris é a ditadora mundial do sucesso artístico, Amália está no topo de uma carreira simplesmente maravilhosa.
Em Portugal, ela não gosta de fazer cinema. Agora, ao aceitar a direcção de Jorge Brum do Canto em “Fado Corrido”, Amália mostra decidida predilecção por um cinema actual, fora da linha popularucha em que cantava o “Ai, Mouraria”.
Ainda há quinze dias foi actuar à TV de Haia e já prepara as malas para uma viagem ao Japão*, com nova passagem por Israel. La para Dezembro, os “states” voltarão a aplaudi-la: pela 6.ª vez ela cantará no “Mogambo” e em duas salas de Las Vegas. Completa-se, assim, o décimo segundo passaporte com o nome de Amália Rodrigues.
A extraordinária intérprete não ficou presa de amores a “Fado Corrido”: achou a história frouxa e não gostou do som. Quanto à sua própria actuação, não colocou defeitos em “Gaivota”, nem “Madrugada de Alfama”, nem “Estranha forma de Vida” ou “Cantiga da Boa Gente”. A única coisa que a afligiu deveras foi o seu rosto espraiando-se pela tela: “A minha Maria do Rosário**, de vez em quando, fazia-me tremer. É que eu tenho horror a envelhecer…” – contou, em confidência, a maior das nossas fadistas.»

Flama, Lisboa, 23 de Outubro de 1964



* A ida de Amália ao Japão ocorreu, pela primeira vez, em Agosto e Setembro de 1970, integrada na comitiva portuguesa à Expo 70 em Osaka. Para além dos espectáculos com os restantes artistas da comitiva, no final de Agosto, fez um recital, no Sankei Hall, em Tóquio, em 2 de Setembro. Este espectáculo foi gravado e editado em disco em 1971. Voltou ao Japão em 1976, 1986 e 1993.

** O nome da personagem desempenhada por Amália no filme Fado Corrido não era Maria do Rosário mas sim Maria do Amparo.

Flama, 23 de Outubro de 1964



No filme Fado Corrido, 1964, realizado por Jorge Brum do Canto, acompanhada por Domingos Camarinha na guitarra